quinta-feira, junho 02, 2011

[Xilogravura] Márcio Pannunzio



Texto: Site do artista
As gravuras de Márcio Pannunzio estruturam-se em torno de cinco características fundamentais: o tamanho reduzido, a saturação de elementos, a figura grotesca, o sentido oculto e a situação emblemática.
O tamanho reduzido, unido à saturação de elementos, exige atenção redobrada, esforço perceptivo. Todas as gravuras do artista estão repletas de figuras distribuídas num pequeno espaço. O espectador é chamado, portanto, a exercitar uma forma de olhar diferente daquela em que a sociedade de consumo nos viciou: diferente do olhar que passa pelos outdoors da avenida, por cenas de televisão, pelos rostos e produtos do shopping.
E o que têm estas miniaturas atulhadas de elementos a oferecer àquele que, paciente, as investiga? Não, certamente, a beleza amenas das iluminuras. O que veremos, aqui, pelo contrário, serão rostos e corpos distorcidos, animalescos, feios. Os amantes estão envelhecidos, o homem poderoso tem focinho, cerdas, presas, bico de abutre, os elementos arquitetônicos recordam o cenário de um filme expressionista.
Ao observador que aceitou assumir uma postura contrária à sugerida pelo universo de consumo, a gravura de Márcio Pannunzio coerentemente oferece o contrário desse mesmo universo. Nada está posto, ali, para descansar os olhos. Entretanto, o grotesco presente nas gravuras de Pannunzio nada tem de gratuito. Não se trata de mera oposição a um certo cânone estético. Cada figura sua tem um sentido preciso, posto que oculto. Braços esqueléticos se entrelaçam, retorcidos como cipós, ocultando o gesto a um primeiro exame. Será preciso, então, perseguir o caminho desses braços, verificar a qual corpo está ligada cada uma das mãos, distinguir o corpo dele do corpo dela. Desembaraçar fios.
Após tudo isso, o que é dado ao olhar? Uma cena, um episódio, uma pose. É como se os monstros habitantes dessas gravuras tivessem sido flagrados no momento exato de um beijo, de um coito, de um assassinato. Ou, então, é como se eles mesmos tivessem interrompido por um momento suas atividades, vindo fazer uma pose para o gravurista de plantão.
Tanto a pose feita quanto a cena captada são sempre simbólicas, emblemáticas. Há sempre uma situação geral visada pela cena particular: a proximidade entre amor e morte, amantes que se destróem, sexo e poder, a escravização do outro. Depois, portanto, de aproximar-se do papel atulhado de figuras distorcidas, o observador deve, finalmente, interpretar a cena oferecida. Todo esse trabalho de decodificação será duplamente recompensado. Em primeiro lugar pela própria exatidão construtiva que possibilitou o trabalho interpretativo. O labirinto das formas sempre tem uma saída. Não há como experimentar a dificuldade de sair dele sem admirar a habilidade de quem o construiu. Em segundo lugar, somos recompensados pela força do sentido que emerge de cada emblema. Na maior parte dos casos, esta força vem de uma inversão brusca. O amor já não é mais sublime, mas trágico, corrosivo; o sexo não é mais prazer, mas dominação, expressão de poder; a mulata não está chacoalhando a bunda num programa de auditório, mas no meio de um lixão; o mendigo, cheio de feridas, se desmancha de prazer gozando na boca de um cão. Uma gravura, enfim, que definitivamente não se presta ao embelezamento de paredes, mas pode proporcionar, a quem se dispuser a vê-la, uma experiência única no contexto de uma vida tão submetida à padronização e ao imediatismo como é a nossa.


Por João Vergílio Gallerani Cuter

Nenhum comentário: