sexta-feira, dezembro 14, 2007


Dia 22 de Dezembro, o poeta guarabirense Chico Pedrosa estará novamente se apresentando em sua terra natal, no Colégio da Luz. Por motivos que não me são estranhos, Guarabira não dá a metade do valor que o resto do país dá ao Poeta, que é renomado nacionalmente e uma referência da poesia regional, sendo gravado por, entre outros, Cordel do Fogo Encantado. O livro dele que eu tenho - Sertão Caboclo - é prefaciado por Jessier Quirino.
E sua última apresentação aqui comprovou isso: umas 30 pessoas e um bêbu véi aperriando. Mas, vamos que vamos, cancelei um provável programa para ficar e assistir ao espetáculo.

Essa poesia se chama:

A infância com meus pais.

Sua infância foi risonha?
Calma, não responda agora.
Por favor, não a exponha,
Que vai chegar sua hora.
A minha foi meio ingrata
Tipo caldo de batata
Sem substância nenhuma
Infância desenxabida
Dessas coisas que na vida
Pobre só aguenta uma

Minha escola foi o campo
Minha caneta a enxada
Meu brinquedo o pirilampo
Vigilante da baixada
Armei pedra de quixó
Cacei preá e mocó
Atirei de baleira
Cavei peba em tabuleiro
E tirei enxu verdadeiro
Nas moita da capoeira

Todo tipo de doença
Que se contrai na infância
Sofri por indiferença
Da nossa ignorância
Mamãe era benzedeira
Rezava olhado e papeira
Dor de dente, bucho inchado
Febre, espinhela caída
Inchação, tosse comprida
Arroto choco e puxado

Cresci na fralda da serra
Ouvindo a voz do vaqueiro
Que pega, derruba e ferra
Pra seu patrão fazendeiro
Como um nativo da selva
Saía pisando a relva*
A caminho do roçado
Recebendo dos meus pais
Os conselhos naturais
Do meio em que fui criado

No fim do ano uma festa
E com ele uma roupa nova
Porque numa época desta
Os pais da gente dão prova
De solidariedade
Vão às loja da cidade
Compram terno e cinturão
Sapato, gravata e "cheiro"
E nos dão algum dinheiro
Pra o parque de diversão

Pra mim compraram um sapato
De solado de pneu
Couro grosso, bico chato
Fui calçar, ele não deu
Era menor que meu pé
Mamãe fez logo um banzé
Chamou meu pais de sovino
Ele pegou um compasso
E disse: inda hoje faço
Um sapato do menino

Pegou um taco de couro
Dum boi que seca matou
Disse: pise aqui, meu louro
Eu pisei, ele traçou
Sisudo, de cara feia
Cortou, enfiou correia
E achando a medida exata
Disse: vai ficar barato
Não fez umpar de sapato
Nem fez um par de alpargata

Fez um troço parecido
Com uma bainha de foice
Curvado, maio comprido
Um pouco estreito no coice
Se esqueceu do pé direito
Fez os dois do mesmo jeito
E sem admitir enganos
Me deu ordem pra calçar
Dizendo: saiba zelar
Que é sapato pra dez anos

E a minha roupa de festa?
Já compraram? Perguntei
Ele disse: ora esta
Não sabe que eu já comprei
Derna de segunda feira
E quem vai ser a costureira
Vai ser comadrer Dondom
Do riacho Pela-Gato
Que além de cobrar barato
Sabe costurar "raion"

Parece que estou vendo
Meu primeiro paletó
A velha Dondom cozendo
Usando uma vista só
Dondom era costureira
Nas horas vagas parteira
Embirrenta, malcriada
Ninca pegou numa escala
Dava uma volta na sala
Tava a medida tirada

Comigo ela fez assim
No dia que lhe entreguei
Um corte de pano ruim
Que de presente ganhei
A velha acendeu um facho
Me olhou e disse: Acho
Que você pode ir embora
Que daqui pra sexta feira
Eu emendo essa porqueira
Com fé em Nossa Senhora

E de fato emendou, pois
Outra coisa ela não fez
Na calça cabiam dois
No paletó mais de três
E a gravata e a camisa?
Meu pai disse: não precisa
Têm as do meu casamento
Há muitos anos guardada
Tão um pouco desbotada
Mas os pano é cem por cento

Mamãe lhe fez um apelo
Com muita diplomacia
Pra cortar o meu cabelo
Na antiga freguesia
Meu pai disse: eu não combino
O cabelo do menino
Só eu sei como é que presta
Sentou-me sobre um caixão
Agarrou um tesourão
E começou a cortar... da testa

Deixou a minha cabeça
Como um carneiro sem lã
Depois disse: não se esqueça
Que a festa é logo amanhã
A igreja tá caiada
A rua tá enfeitada
O carrossé já chegou
Inté o carramanchão
Onde vai ser o leilão
O padre já aprontou

Afinal chegou o dia
Doze do mês de dezembro
Festa de Santa Luzia
Ainda hoje me lembro
Eu calçado de alpergata
De paletó e gravata
Parecia um coroné
Entupido de gelada
Chamei minha namorada
Pra correr no corrossé

A concertina tocava
A música do assum preto
E o carrossé de carbureto
Num instante embalava
Um homem com um apito
Fazia sinal, e Benedito
Dava mais um empurrão.
E os casais de namorados
Agradeciam sentados
Por mais uma rotação

Sentei-me numa cadeira
Ao lado da namorada
Senti logo uma zonzeira
E a natureza enjoada
O carrossé embalou
Meu paletó se inflou
Ficou igual a um balão
A vista ficou escura
E o povo gritou: Segura,
Cabra do paletozão!

Vomitei toda gelada
Que antes havia bebido
E perdi minha namorada
Prum sujeito mais sabido
Fui me lavar num riacho
E quando passei por baixo
Dum poleiro, uma galinha
Abriu a porta traseira
E despejou a sujeira
Na minha bela roupinha

Pronto... Adoeci de novo
E agora? Que faço então?
Voltar pro meio do povo
desse jeito? Volto não
Tirei a roupa e lavei
sem sabão e pendurei
Numa rama de cipó
Lá pra alta madrugada
Veio uma vaca malhada
Comeu calça e paletó

Restou o par de alpargata
E a cueca samba-canção
A camisa e a gravata
Mas dinheiro... nem um tostão
A desgraçada da vaca
Comeu a última pataca
Deixei a festa e a farra
Toquei o pé no caminho
E no terreiro do ranchinho
Cheguei ao quebrar da barra

Cheguei como um fugitivo
Que foje duma cadeia
Cabisbaixo, pensativo
Com medo de levar peia
Contei o que se passou
Minha mãe acreditou
Pai entendeu muito mais
E para finalizar
Resolvi apresentar
Minha infância com meus pais

Um comentário:

Anônimo disse...

Ei, muito bom. Sério mesmo.

Josemberg